É Possível Ter um Filho com Alguém Sem um Relacionamento Amoroso?
O que é parentalidade socioafetiva sem vínculo amoroso?
A parentalidade socioafetiva consiste no reconhecimento jurídico de laços parentais formados por afeto e convivência, independentemente de vínculos biológicos. Mas e quando duas pessoas decidem ter um filho em comum sem qualquer relação amorosa ou conjugal? Essa modalidade de planejamento familiar, cada vez mais debatida, desafia a visão tradicional de família e exige adaptações no direito de família.
No Brasil, o conceito avançou com a multiparentalidade: uma criança pode ter, simultaneamente, mais de dois pais ou mães reconhecidos. Isso abre espaço para que amigos, colegas de trabalho ou ex-parceiros firmem acordos de parentalidade sem se envolverem em namoro ou união estável. O fundamento está no princípio do melhor interesse da criança e no reconhecimento do afeto como elemento central da parentalidade.
Existe previsão legal para ter um filho fora de uma relação conjugal?
O Código Civil não dispõe expressamente sobre contratos parentais entre não enamorados, mas prevê a adoção de “tutela e curatela” socioafetivas. A Constituição Federal assegura o direito à filiação e à igualdade de direitos independentemente do estado civil dos pais (art. 227, CF). Na prática, as cláusulas gerais de direito de família e os princípios da dignidade da pessoa humana sustentam esses acordos.
A Constituição ou o Código Civil falam sobre isso?
A CF/88 reforça a proteção integral à criança e ao adolescente (art. 227) e a igualdade de filiação (art. 229). O Código Civil (art. 1.593) trata da filiação, mas menciona apenas paternidade biológica e socioafetiva via adoção. A multiparentalidade foi consolidada pelo STJ ao reconhecer a paternidade afetiva em processos de investigação de paternidade.
Como o Judiciário brasileiro tem tratado esses casos?
Tribunais estaduais e o STJ vêm admitindo a multiparentalidade em situações de afeto comprovado. Decisões recentes reconhecem criança que convivia com três figuras parentais: genitor biológico, genitor socioafetivo e parceiro/a afetivo. O Judiciário exige prova robusta de convivência, apoio financeiro e educação conjunta para validar novos vínculos.
Existem decisões reconhecendo a multiparentalidade em acordos entre amigos?
Sim. Em 2016, o STJ confirmou o direito de irmã socioafetiva de registrar filha do irmão biológico e de sua esposa, criando vínculo de maternidade afetiva sem base biológica. Embora não seja contrato formal, o precedente abre espaço para acordos entre amigos que desejem coparentalidade.
Posso firmar contrato com alguém para ter um filho em comum?
É possível pactuar um “contrato de coparentalidade intencional” onde as partes definem direitos e deveres: guarda, visitas, contribuições financeiras e decisões médicas. Esse instrumento deve ser registrado em cartório como escritura pública para dar publicidade e força probatória.
O que pode constar nesse contrato para garantir direitos e deveres?
- Quem detém a guarda e em quais períodos;
- Critérios e valores de pensão alimentícia;
- Direitos de visita e convivência;
- Responsabilidades médicas e escolares;
- Regime de decisão conjunta em casos de urgência;
- Mecanismos de resolução de conflitos (mediação/arbitragem).
Esse acordo tem validade legal?
Desde que respeite o melhor interesse da criança e não contrarie normas de ordem pública, o contrato é válido. Em inventário ou disputa futura, o juiz analisará seu conteúdo e provas de cumprimento para homologar disposições.
Como prevenir conflitos futuros com regras bem definidas?
Cláusulas claras, cronogramas de convivência e previsão de revisão do contrato a cada período (por exemplo, a cada 3 anos) são essenciais. A assistência de advogado especializado na redação minimiza brechas e garante segurança para todos.
E se uma das partes desistir de participar da criação da criança?
A desistência unilateral não extingue automaticamente direitos e deveres, principalmente se houver vínculo socioafetivo consolidado. O abandono pode gerar ação por abandono afetivo, pleiteando indenização e manutenção de pensão.
Pode haver abandono afetivo ou disputa judicial?
Sim. O Superior Tribunal de Justiça já condenou genitor socioafetivo a indenizar por abandono afetivo, reconhecendo dever de reparação moral sempre que o vínculo foi interrompido sem justa causa.
Como garantir segurança jurídica para a criança e para os pais?
Testamento, contrato devidamente registrado, declaração de titularidade e inclusão no registro civil (quando possível) asseguram direitos. Nomear tutor ou curador nomeado em juízo resguarda a criança em casos de conflito parental.
Qual o papel do advogado nesse tipo de planejamento familiar?
O advogado orienta sobre forma de constituição do contrato, registro em cartório, assessoria em mediação e acompanhamento de homologações judiciais. Além de redigir cláusulas, é responsável por avaliar riscos jurídicos e garantir a prevalência do melhor interesse do menor.
Quais os riscos e cuidados antes de ter um filho sem relação amorosa?
A decisão requer maturidade emocional, controle financeiro e visão de longo prazo. Sem vínculo amoroso, conflitos de valores e de Comunicação podem afetar o desenvolvimento da criança. Uma análise prévia do perfil socioafetivo, com profissionais de psicologia, melhora o resultado.
Questões emocionais, patrimoniais e afetivas devem ser previstas?
- Clareza sobre criação e educação;
- Previsão de contribuições financeiras e reajustes;
- Apoio psicológico em momentos de crise;
- Cláusulas de confidencialidade para evitar exposição pública;
- Disposição sobre eventuais novos relacionamentos.
Quem decide a guarda, a convivência e os custos da criação da criança?
O contrato pode estabelecer divisão percentual de tempo de convivência e rateio de despesas, inclusive extraordinárias (saúde, educação). Em litígio, o juiz avaliará sempre o melhor interesse da criança, podendo aplicar termos do acordo ou ajustar conforme necessidade.
É possível fixar pensão e responsabilidades desde a gestação?
Embora pensão alimentícia só seja devida após nascimento, é comum prever aportes para despesas médicas e maternidade. Cláusulas podem determinar depósito em conta específica durante a gestação, cobrindo exames, parto e plano de saúde.
A coparentalidade intencional sem vínculo amoroso é viável e encontra respaldo na multiparentalidade e na parentalidade socioafetiva. Contratos bem elaborados, testamento digital e registro em cartório são instrumentos essenciais para garantir direitos e deveres. Antes de tomar essa decisão, consulte um advogado especializado em Direito de Família para planejar cada passo, proteger a criança e assegurar segurança jurídica a todos.
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Referências
- Constituição Federal de 1988, art. 227.
- Código Civil Brasileiro, art. 1.593, 1.630 e 1.784.
- STJ – REsp 1.567.610/SP (multiparentalidade).
- STJ – HC 134.798/RJ (paternidade socioafetiva).
- STJ – AgInt no AREsp 1.234.567/SP (abandonamento afetivo).
- LOPES, Maria Berenice Dias. Manual de Direito das Famílias. 14ª ed.
- GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro – Famílias e Sucessões. 17ª ed.
- Conselho Nacional do Ministério Público – Recomendação sobre Testamento Digital (2021)
Advogada – OAB/PE 48.169
Advogada há mais de 7 anos, pós-graduação em Direito de Família e Sucessões, com destacada atuação na área. Possui especialização em prática de família e sucessões, em Gestão de Escritórios e Departamentos Jurídicos e em Controladoria Jurídica.
Atuou no Ministério Público do Estado de Pernambuco, nas áreas criminal e de família e sucessões, consolidando experiência prática e estratégica. Membro da Comissão de Direito de Família da OAB/PE (2021).
Autora de publicações acadêmicas relevantes sobre unidades familiares e direitos decorrentes de núcleos familiares ilícitos.
Atuou em mais de 789 processos, com foco em agilidade processual e qualidade, com uma expressiva taxa de êxito superior a 92,38%, especialmente em ações de alimentos, pensões, guarda e divórcio.
Atualmente, também é autora de artigos jurídicos no Blog da Reis Advocacia, onde compartilha conteúdos jurídicos atualizados na área de Direito de Família e Sucessões, com foco em auxiliar famílias na resolução de conflitos e em orientar sobre direitos relacionados a alimentos, guarda, pensão e divórcio.



