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Responsabilidade Civil por Divulgação Indevida (Sharenting)

Entenda a responsabilidade civil pela divulgação indevida de imagens de filhos e saiba como proteger os direitos da criança.

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Responsabilidade Civil por Divulgação Indevida de Imagens de Filhos nas Redes Sociais

A popularização das redes sociais trouxe inúmeros benefícios para a convivência entre famílias e amigos, mas também criou um novo campo de riscos jurídicos quando se trata da exposição de crianças e adolescentes. Esse fenômeno ganhou o apelido de “sharenting” – uma fusão de “share” (compartilhar) com “parenting” (parentalidade). Embora para muitos pais a publicação de fotos e vídeos dos filhos pareça algo natural e inofensivo, é justamente esse senso de naturalidade que leva a violações de direitos fundamentais. Neste artigo, você encontrará uma análise detalhada dos limites jurídicos, das consequências civis, dos principais dispositivos legais e de quais medidas práticas adotar quando a imagem de menores for explorada de maneira indevida.

1. O que é Sharenting e Por Que o Tema É Atual

O termo “sharenting” descreve o costume de pais, responsáveis e cuidadores que registram e divulgam, de forma sistemática, fotos, vídeos e dados pessoais de crianças e adolescentes em plataformas digitais. Essa prática, embora muitas vezes motivada pelo desejo de compartilhar orgulho e momentos especiais, suscita riscos que vão desde simples constrangimento até graves ameaças à integridade física e moral do menor.

A cada ano, estudos de comportamento indicam que perfis com alta frequência de postagens de crianças atraem não apenas curtidas e comentários dos círculos de relacionamento, mas também o olhar de agentes mal-intencionados. Rastreio de localização, clonagem de perfis e, em casos extremos, aliciamento online são riscos reais. É por isso que a discussão sobre até onde a liberdade de expressão dos pais pode se sobrepor ao direito ao desenvolvimento saudável e à privacidade dos filhos tornou-se central no direito contemporâneo.

Sharenting – Fundamentos Constitucionais e Estatuto da Criança e do Adolescente

A Constituição Federal de 1988, no artigo 227, estabelece que é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. O artigo 5º, inciso X, garante ainda a inviolabilidade da imagem, da honra e da intimidade, atribuindo à vítima o direito à reparação por dano material ou moral.

O Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/1990) complementa essas proteções ao dispor, em seus artigos 16 e 43, que é direito da criança e do adolescente ter sua imagem preservada, inclusive em meios de comunicação, sendo vedada qualquer divulgação que coloque em risco a sua dignidade ou segurança. A despeito disso, o texto do ECA não regula especificamente as redes sociais, exigindo interpretação conforme os princípios constitucionais e a legislação digital aplicável.

3. A LGPD e o Tratamento de Dados de Crianças e Adolescentes

Desde 2020, a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (Lei nº 13.709/2018 – LGPD) passou a vigorar de forma plena, incluindo regras específicas para menores de idade. Fotos e vídeos que permitam identificar o rosto, a voz ou a rotina de uma criança configuram “dados pessoais sensíveis” quando expostos sem respaldo legal.

A LGPD estabelece que o tratamento de dados de crianças deve ter finalidade legítima, ser objetivo e obedecer ao princípio da melhor informação, com consentimento específico e destacado por parte de pais ou responsáveis. A ausência de base legal para uso e compartilhamento dessas informações acarreta sanções administrativas que podem chegar à multa de até 2% do faturamento da empresa responsável, limitado a R$ 50 milhões por infração, além de eventual obrigação de reparação civil por danos morais.

4. Elementos da Responsabilidade Civil em Sharenting

Para que se configure a responsabilidade civil por divulgação indevida de imagens, tradicionalmente exigem-se três elementos: ato ilícito, dano e nexo de causalidade. O ato ilícito pode se dar pela publicação sem autorização expressa, por transgressão ao direito à imagem ou ainda pela veiculação de conteúdo com potencial vexatório. O dano, por sua vez, pode ser moral – quando afeta a honra, a reputação ou provoca angústia – ou material, caso a exposição gere custos demonstráveis (tratamentos psicológicos, por exemplo).

O nexo de causalidade é comprovado sempre que a lesão aos direitos da criança decorre diretamente do comportamento do autor. Em julgados recentes, juízes têm entendido que a mera intenção de registrar momentos familiares não exime o responsável pelo conteúdo da obrigação de reparar, quando restar demonstrado que a publicação ultrapassou os limites razoáveis de privacidade.

5. Casos Práticos e Jurisprudência

No Tribunal de Justiça de São Paulo, a Apelação nº 100XXXX-XX condenou um pai ao pagamento de R$ 8.000 de indenização à mãe após ter compartilhado em um grupo público do Facebook vídeos caseiros que mostravam o filho em situações íntimas na escola, expondo-o a comentários pejorativos e ameaças. O acórdão ressaltou que o direito de liberdade de expressão não pode servir de escudo para a violação da vida privada de terceiros, sobretudo de menores.

Já o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, no processo nº 700XXXX-XX, apreciou ação em que a mãe divulgou imagens da filha em roupas de banho em grupo de WhatsApp, sem autorização do pai, e recebeu condenação de R$ 10.000. Nesse caso, o relator enfatizou a atuação do Estatuto da Criança e do Adolescente e do Código Civil (artigo 20), reconhecendo que a repercussão social constrangeu a menor e extrapolou os limites do interesse legítimo.

6. Limites da Liberdade de Expressão e o Melhor Interesse do Menor

A Convenção sobre os Direitos da Criança, ratificada pelo Brasil em 1990, introduz o princípio do “melhor interesse do menor” como critério superior em todas as decisões que afetem crianças. Isso significa que qualquer decisão judicial ou prática cotidiana deve priorizar a proteção integral, considerando o desenvolvimento físico, psíquico e social da criança.

A liberdade de expressão dos pais encontra limite quando conflita com direitos fundamentais dos filhos. A partir do momento em que a imagem do menor é disponibilizada em ambientes virtuais sem critério e sem medidas de segurança, ultrapassam-se barreiras éticas e jurídicas, autorizando a intervenção estatal ou judicial para cessar o abuso e reparar danos.

7. Medidas Práticas para Prevenir e Corrigir

Para evitar riscos, recomenda-se adotar práticas simples, mas eficazes:

  • Privatização de perfis: manter o perfil dos pais restrito apenas a contatos próximos e verificados.
  • Consentimento gradual: dialogar com crianças mais velhas e adolescentes, explicando os riscos e obtendo consentimento claro.
  • Compartilhamento seletivo: usar listas de transmissão ou grupos restritos quando houver necessidade de divulgar fotos em ocasiões especiais.
  • Revisão periódica: eliminar publicações antigas que hoje poderiam ser consideradas inadequadas ou excessivas.
  • Orientação profissional: buscar apoio de psicólogos ou pedagogos para entender o impacto da exposição online na autoestima e segurança das crianças.

Caso o uso indevido já tenha ocorrido, as etapas recomendadas incluem:

  1. Reunião de provas: capturas de tela, URLs e depoimentos de testemunhas.
  2. Notificação extrajudicial: oficializar o pedido de remoção imediata do conteúdo.
  3. Comunicação às plataformas: registrar reclamação junto ao SAC ou central de segurança da rede social.
  4. Denúncia a órgãos de defesa: encaminhar queixa ao Procon e ao Ministério Público.
  5. Ação judicial: propor ação no Juizado Especial Cível para obrigação de fazer e indenização por danos morais.
A prática de sharenting, embora movida por afetos genuínos, não está isenta de responsabilidades civis e éticas. A legislação brasileira dispõe de instrumentos robustos para proteger a imagem e a intimidade de crianças e adolescentes, mas cabe aos pais e responsáveis exercerem a liberdade de expressão com critério, sempre colocando o melhor interesse do menor em primeiro lugar. Quando houver extrapolação, a reparação por danos morais e materiais será inevitável, e a intervenção judicial atuará como fator dissuasório para novos abusos.Educar digitalmente é tão importante quanto orientar sobre boas maneiras à mesa. Ensinar limites, falar sobre riscos, praticar consentimento e zelar pela dignidade das crianças garantem que os momentos eternizados em fotos e vídeos sejam, de fato, fonte de alegria, não de constrangimento ou prejuízo.
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DRA MARCELA NOVO

Advogada – OAB/PE 48.169

Advogada há mais de 7 anos, pós-graduação em Direito de Família e Sucessões, com destacada atuação na área. Possui especialização em prática de família e sucessões, em Gestão de Escritórios e Departamentos Jurídicos e em Controladoria Jurídica.

Atuou no Ministério Público do Estado de Pernambuco, nas áreas criminal e de família e sucessões, consolidando experiência prática e estratégica. Membro da Comissão de Direito de Família da OAB/PE (2021).
Autora de publicações acadêmicas relevantes sobre unidades familiares e direitos decorrentes de núcleos familiares ilícitos.

Atuou em mais de 789 processos, com foco em agilidade processual e qualidade, com uma expressiva taxa de êxito superior a 92,38%, especialmente em ações de alimentos, pensões, guarda e divórcio.

Atualmente, também é autora de artigos jurídicos no Blog da Reis Advocacia, onde compartilha conteúdos jurídicos atualizados na área de Direito de Família e Sucessões, com foco em auxiliar famílias na resolução de conflitos e em orientar sobre direitos relacionados a alimentos, guarda, pensão e divórcio.

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