Sonho interrompido por um vídeo de 17 segundos: o caso Samille Ornelas
Samille Ornelas, uma jovem baiana de 23 anos, viveu o sonho de muitos: foi aprovada no curso de Medicina da Universidade Federal Fluminense (UFF), uma das mais concorridas do Brasil. Oriunda de escola pública, ela se inscreveu no Sisu 2024 como cotista, autodeclarada parda. No entanto, o que parecia o início de uma nova vida se tornou um pesadelo jurídico e emocional.
Após ser aprovada e enviar um vídeo de apenas 17 segundos ao comitê de heteroidentificação da UFF, sua inscrição foi indeferida. O motivo? O comitê concluiu que Samille não apresentava características fenotípicas compatíveis com a autodeclaração de parda. Mesmo após obter uma liminar que lhe garantiu o direito à matrícula e cursar quase um semestre letivo, a liminar foi cassada — e a matrícula, cancelada.
O caso ganhou repercussão nacional. Samille declarou: “A única certeza que eu tinha era a minha cor”. Sua história escancara as fragilidades e contradições do processo de heteroidentificação e levanta um debate urgente sobre raça, identidade e justiça no Brasil.
A polêmica da autodeclaração parda e o julgamento jurídico do fenótipo
No desenvolvimento deste caso, observamos um ponto central: a divergência entre autodeclaração e a avaliação fenotípica do comitê de heteroidentificação. Samille foi aprovada pelo sistema de cotas para candidatos autodeclarados pardos e negros. Ela se identifica como parda e assim se declarou no ato da inscrição.
Contudo, ao analisar o vídeo de 17 segundos enviado pela estudante, o comitê concluiu que sua aparência não condizia com a autodeclaração. A estudante recorreu administrativamente e judicialmente. O juízo da 4ª Vara Federal de Niterói concedeu uma liminar para garantir sua matrícula. No entanto, segundo decisão da 2ª instância do TRF2:
“…considerando que a comissão de heteroidentificação agiu em consonância com os normativos vigentes, é legítima a anulação da matrícula da candidata…”
Com a cassação da liminar, Samille foi desligada da universidade, mesmo após ter cursado quase metade do semestre, mudado de cidade e investido recursos emocionais e financeiros em seu sonho.
A base jurídica da política de cotas para pardos: entre o direito e o arbítrio
A política de cotas raciais no Brasil é regulamentada pela Lei 12.711/2012 (Lei de Cotas) e pelo Decreto 7.824/2012. Em 2023, o Ministério da Educação emitiu a Portaria Normativa nº 1.171/2023, que trata da heteroidentificação como complemento à autodeclaração para o ingresso nas instituições federais.
Entre as principais teses jurídicas aplicáveis a este caso, destacam-se:
- Princípio da igualdade material – Igualar os desiguais para alcançar equidade.
- Boa-fé da autodeclaração – A presunção de veracidade deve ser a regra.
- Avaliação fenotípica subjetiva – O julgamento baseado na aparência pode ser arbitrário.
- Proteção à dignidade da pessoa humana – Violações podem atingir direitos fundamentais.
- Jurisprudência favorável ao cotista – Ex: TRF1, caso Fabiana da Silva Viana (UFBA), onde decisão judicial obrigou a matrícula após indeferimento por comitê.
A UFF, por sua vez, sustenta que seguiu todas as diretrizes legais e que a comissão é capacitada para avaliar a veracidade da autodeclaração com base no fenótipo, sem interferência da origem familiar ou histórico social.
Pardos injustiçados? Repercussões legais e soluções jurídicas
Casos como o de Samille Ornelas atingem diretamente estudantes autodeclarados pardos e pardas que, apesar de se reconhecerem como parte da população negra, enfrentam barreiras subjetivas e muitas vezes excludentes.
A repercussão desse caso é ampla, envolvendo questões:
- Sociais: reforça estigmas e o racismo institucional.
- Educacionais: desestimula o acesso de pardos e pardas às universidades.
- Jurídicas: demanda revisão de critérios e garantias processuais.
Quem enfrenta situação semelhante pode recorrer por meio de:
- Recurso administrativo interno contra decisão do comitê.
- Ação judicial com pedido de liminar para garantir matrícula.
- Laudo antropológico ou de especialistas em identidade racial.
- Tutela antecipada com base em urgência e risco de dano irreversível.
- Solicitação de nova avaliação presencial com garantia de contraditório e ampla defesa.
Nosso escritório de advocacia tem ampla experiência em Direito Educacional e Direitos Humanos, com vitórias expressivas em casos de cotistas pardos e pardas indeferidos injustamente. Atuamos com agilidade, empatia e profundo conhecimento técnico.
Advogado em Direito Educacional comenta: um julgamento que extrapolou os limites da lei
Casos como o de Samille deixam marcas não apenas acadêmicas, mas emocionais profundas. Há um prejuízo existencial quando o Estado invalida uma identidade racial sem o devido cuidado técnico e jurídico.
Como advogado atuante no Direito Educacional, vejo com preocupação a subjetividade dos comitês de heteroidentificação. Quando decisões tão graves são tomadas com base em vídeos curtos, sem direito a contraditório pleno, há um risco concreto de arbitrariedade.
O caso ainda pode ser revertido judicialmente. A depender da fundamentação e das provas complementares, há possibilidade de recurso à instância superior ou até ação revisional com base em violação de direitos fundamentais.
A lição que fica é clara: a luta por uma educação inclusiva passa por garantias de processos justos. A cor da pele não pode ser julgada em segundos, nem a identidade parda apagada por olhos que não enxergam além do fenótipo.
Como atuamos para proteger os direitos dos estudantes pardos e pardas
Na Reis Advocacia, acreditamos que justiça também se faz na sala de aula. Nosso time de especialistas atua com seriedade em casos de cotistas que enfrentam injustiças em processos de heteroidentificação.
Já representamos estudantes em situações análogas com resultados positivos. Utilizamos perícia, parecer técnico, argumentação jurídica sólida e acompanhamento contínuo. Sabemos que por trás de cada caso há um sonho e uma história.
Para entender mais sobre seus direitos como estudante pardo ou parda, acesse nosso site: www.advocaciareis.adv.br. E se você conhece alguém que vive situação semelhante, compartilhe este artigo.
A injustiça só prevalece quando o silêncio domina. Juntos, podemos transformar histórias.
Perguntas frequentes sobre o tema
O que é heteroidentificação racial?
É o processo em que uma comissão avalia se o fenótipo do candidato confirma sua autodeclaração racial seja parda ou negra.
Posso ser excluído por vídeo curto?
Sim. Algumas universidades usam vídeos curtos para análise, o que pode gerar decisões arbitrárias.
É possível reverter o indeferimento?
Sim. Há meios administrativos e judiciais para contestar decisões e garantir matrícula.
Como a Reis Advocacia pode ajudar?
Oferecemos defesa técnica especializada, com experiência em casos semelhantes ao de Samille.
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Lei 12.990/2014: Cotas Raciais em Concursos Públicos – Explica a lei que reserva 20 % das vagas em concursos públicos para candidatos autodeclarados pretos ou pardos, abordando autodeclaração, heteroidentificação e penalidades.
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Concurso público: O que fazer quando tem erro no edital? – Explica como identificar e contestar erros que podem prejudicar cotistas, com prazos e fundamentos legais.
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Dr. Tiago O. Reis, OAB/PE 34.925, OAB/SP 532.058, OAB/RN 22.557
Advogado há mais de 12 anos e sócio-fundador da Reis Advocacia. Pós-graduado em Direito Constitucional (2013) e Direito Processual (2017), com MBA em Gestão Empresarial e Financeira (2022). Ex-servidor público, fez a escolha consciente de deixar a carreira estatal para se dedicar integralmente à advocacia.
Com ampla experiência prática jurídica, atuou diretamente em mais de 5.242 processos, consolidando expertise em diversas áreas do Direito e oferecendo soluções jurídicas eficazes e personalizadas.
Atualmente, também atua como Autor de Artigos e Editor-Chefe no Blog da Reis Advocacia, onde compartilha conteúdos jurídicos atualizados, orientações práticas e informações confiáveis para auxiliar quem busca justiça e segurança na defesa de seus direitos.




