Assédio nas Forças Armadas: Como Denunciar e Quais as Consequências?
As Forças Armadas (Exército, Marinha e Aeronáutica), assim como as Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares, são instituições pautadas por princípios de hierarquia, disciplina e camaradagem. Contudo, mesmo em ambientes tão regulados, situações de assédio podem ocorrer, comprometendo a integridade, a saúde mental e o desempenho dos militares. O assédio, seja ele moral, sexual ou institucional, é uma prática que mina a confiança, afeta o ambiente de trabalho e vai contra os valores de respeito e dignidade que devem permear qualquer corporação.
A natureza peculiar da vida militar, com suas relações hierárquicas bem definidas e a constante exigência de disciplina, por vezes dificulta a identificação e a denúncia de casos de assédio. Muitos militares receiam represálias ou questionam a efetividade dos canais de denúncia. No entanto, é fundamental que as vítimas saibam que o assédio é uma conduta inaceitável e punível, com graves consequências para os agressores e para a própria instituição que falha em combatê-lo.
Neste artigo, vamos aprofundar o tema do assédio nas Forças Armadas. Explicaremos o que é considerado assédio no contexto militar, os tipos mais comuns (moral, sexual e institucional), a importante distinção entre assédio e o rigor disciplinar legítimo, e apresentaremos exemplos práticos de comportamentos abusivos. Mais importante, abordaremos os caminhos para denunciar e as consequências para os assediadores, reforçando a importância de buscar apoio e não se calar diante dessas situações.
O que é considerado assédio nas Forças Armadas
O assédio nas Forças Armadas, assim como em outros ambientes de trabalho, caracteriza-se por uma conduta abusiva, repetitiva ou sistemática, que se manifesta por meio de comportamentos, palavras, atos, gestos ou escritos que atentem contra a dignidade ou a integridade psíquica ou física de um militar, expondo-o a situações humilhantes, constrangedoras ou desestabilizadoras. Diferente de um conflito isolado ou de uma cobrança pontual (ainda que ríspida), o assédio possui um caráter de persistência e intencionalidade de causar dano.
No ambiente militar, a particularidade reside na rigidez da hierarquia e da disciplina. O assédio se aproveita dessa estrutura para criar um ambiente hostil, onde o militar assediado se sente acuado, sem voz e sem saída. As ações abusivas podem vir de superiores hierárquicos, pares ou até mesmo de subordinados (assédio ascendente, menos comum, mas possível).
Tipos mais comuns: moral, sexual e institucional
O assédio nas Forças Armadas pode se manifestar de diversas formas, sendo os tipos mais comuns:
- Assédio Moral: Caracterizado por condutas repetitivas que visam desqualificar, humilhar, isolar ou desestabilizar psicologicamente o militar. Isso pode incluir sobrecarga de trabalho sem motivo, negação de férias ou folgas de forma discriminatória, críticas constantes e destrutivas, espalhar rumores, ignorar a presença do militar, ou mesmo atribuir tarefas degradantes ou inúteis. O objetivo é desmoralizar o indivíduo e forçá-lo a desistir ou pedir transferência.
- Assédio Sexual: Envolve qualquer conduta de natureza sexual, não desejada pelo militar, que crie um ambiente intimidante, hostil, degradante, humilhante ou ofensivo. Pode incluir insinuações, gestos obscenos, comentários indesejados sobre a aparência, toques não autorizados, exigência de favores sexuais em troca de benefícios na carreira ou para evitar prejuízos. A vítima pode ser de qualquer gênero, e o assediador também.
- Assédio Institucional: Menos conhecido, mas igualmente prejudicial, ocorre quando a própria instituição, por meio de suas políticas, omissões ou práticas, cria um ambiente opressor que favorece o assédio ou a perseguição de determinados militares. Isso pode se dar por meio de transferências arbitrárias e frequentes, instauração de processos disciplinares infundados, remoção de funções sem justificativa, ou a tolerância e inação diante de denúncias de assédio por parte de superiores.
Diferença entre assédio e rigor disciplinar
É crucial distinguir assédio do legítimo rigor disciplinar e da cobrança por resultados, inerentes ao ambiente militar. A hierarquia e a disciplina exigem que superiores cobrem o cumprimento de deveres, apliquem sanções disciplinares e exijam desempenho. Isso, por si só, não é assédio.
A diferença reside na intenção e na forma: o rigor disciplinar visa à correção, ao aprimoramento e à manutenção da ordem, dentro dos limites legais e com respeito à dignidade do militar. O assédio, por outro lado, tem como objetivo humilhar, desqualificar, desestabilizar e prejudicar o indivíduo, excedendo os limites da autoridade e do razoável. Uma ordem é legítima; uma ofensa pessoal reiterada ou uma atribuição de tarefas degradantes sem propósito são assédio. A linha é tênue, mas a repetição, a intencionalidade de causar dano e a desproporcionalidade são indicadores de assédio.
Exemplos práticos e comportamentos recorrentes
Para melhor ilustrar, veja alguns exemplos práticos de condutas que podem configurar assédio:
- Moral: Um superior que constantemente grita com o subordinado sem motivo aparente, isola-o do grupo, espalha informações falsas sobre sua competência, ou nega injustificadamente seus pedidos de curso ou transferência.
- Sexual: Um colega ou superior que faz comentários indesejados sobre a roupa ou corpo do militar, envia mensagens de teor sexual, tenta contato físico não consentido, ou utiliza seu poder para coagir o outro a ceder a avanços sexuais.
- Institucional: A chefia que, de forma orquestrada, inicia vários processos administrativos disciplinares infundados contra um militar, apenas para persegui-lo e forçá-lo a pedir baixa; ou a omissão em investigar denúncias sérias de assédio, transmitindo a mensagem de que tais condutas são toleradas.
Assédio em formação, hierarquia e ambiente de missão
O assédio pode ocorrer em diferentes contextos da vida militar:
- Em formação: Durante cursos de formação ou aperfeiçoamento, onde o treinamento é naturalmente rigoroso, o assédio pode se disfarçar de “instrução”. No entanto, humilhações públicas, exposição vexatória, privação desnecessária de necessidades básicas ou agressões gratuitas, que não visam ao aprendizado mas sim à desmoralização, são formas de assédio.
- Na hierarquia: O assédio hierárquico é o mais comum, onde um superior abusa de sua posição de poder para oprimir um subordinado. No entanto, também pode haver assédio de pares ou, em menor escala, de subordinados (assédio ascendente), caso um grupo de praças, por exemplo, isole ou prejudique intencionalmente um sargento recém-chegado.
- Em ambiente de missão: Em missões, especialmente as mais estressantes e isoladas, o assédio pode ser intensificado pela convivência forçada e pela ausência de fiscalização externa. A pressão do ambiente não justifica comportamentos abusivos.
Como Denunciar o Assédio nas Forças Armadas
Denunciar o assédio é um passo corajoso e essencial. É importante que o militar reúna o máximo de provas possíveis, como e-mails, mensagens, gravações (se permitidas legalmente e no contexto), testemunhos, relatórios médicos ou psicológicos.
Os principais canais de denúncia incluem:
- Canais internos da corporação: Ouvidorias, corregedorias, departamentos de recursos humanos (ou equivalentes), ou diretamente ao superior hierárquico do assediador (se for seguro). Algumas instituições possuem canais anônimos ou confidenciais.
- Ministério Público Militar (MPM): Para casos de assédio que configurem crime militar (como lesão corporal, ameaça, ou outros crimes que decorram do assédio e estejam previstos no Código Penal Militar), ou para investigar a omissão da administração militar.
- Ministério Público Federal (MPF) / Ministério Público Estadual (MPE): Para casos de assédio sexual ou moral que não se configurem como crime militar, ou para apurar condutas que afetem direitos humanos e garantias individuais.
- Ouvidoria Militar ou Civil: Órgãos que recebem denúncias e as encaminham às autoridades competentes, atuando como um canal de controle externo.
- Advogado Especializado: A busca por um advogado especialista em Direito Militar é fundamental. Ele orientará sobre os melhores caminhos para a denúncia, acompanhará os processos, garantirá que seus direitos sejam respeitados e buscará a responsabilização do agressor e a reparação dos danos.
Quais as Consequências para o Assediador
As consequências para o militar assediador podem ser graves e variam conforme a natureza e a gravidade do assédio, e se ele configurar crime:
- Processo Administrativo Disciplinar (PAD): O assediador pode responder a um PAD na esfera administrativa, que pode resultar em punições disciplinares como advertência, repreensão, detenção, prisão disciplinar, ou até mesmo a exclusão a bem da disciplina (para praças) ou a perda do posto e da patente (para oficiais), nos casos mais graves.
- Processo Criminal: Se o assédio configurar crime (como calúnia, difamação, injúria, constrangimento ilegal, perseguição, assédio sexual, ou outros previstos no Código Penal Militar ou no Código Penal comum), o assediador pode responder a um processo criminal na Justiça Militar ou na Justiça Comum, sujeitando-se às penas previstas em lei, que podem incluir multas, restrição de direitos ou prisão.
- Ações Cíveis de Reparação: A vítima de assédio pode entrar com uma ação cível contra o agressor para buscar indenização por danos morais e materiais causados.
- Implicações na Carreira: Além das punições diretas, o assediador pode ter sua carreira prejudicada, com registros negativos em sua ficha, impedimentos para promoções e dificuldades para ascender profissionalmente.
O combate ao assédio nas Forças Armadas é um compromisso com a dignidade humana e com a própria integridade das instituições. Se você é vítima ou testemunha de assédio, não se cale. Busque ajuda e denuncie. A busca por um advogado especializado é o primeiro e mais importante passo para proteger seus direitos e garantir que a justiça seja feita.
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Referências:
- Constituição da República Federativa do Brasil de 1988
- Decreto-Lei nº 1.001, de 21 de outubro de 1969 (Código Penal Militar)
- Decreto-Lei nº 1.002, de 21 de outubro de 1969 (Código de Processo Penal Militar)
- Lei nº 6.880, de 9 de dezembro de 1980 (Estatuto dos Militares)
- Superior Tribunal Militar (STM) – Site Oficial
- Supremo Tribunal Federal (STF) – Portal Principal
Sócio e Advogado – OAB/PE 41.203
Advogado criminalista, militar e em processo administrativo disciplinar, especializado em Direito Penal Militar e Disciplinar Militar, com mais de uma década de atuação.
Graduado em Direito pela FDR-UFPE (2015), pós-graduado em Direito Civil e Processual Civil (ESA-OAB/PE) e em Tribunal do Júri e Execução Penal. Professor de Direito Penal Militar no CFOA (2017) e autor do artigo "Crise na Separação dos Três Poderes", publicado na Revista Acadêmica da FDR (2015).
Atuou em mais de 956 processos, sendo 293 processos administrativos disciplinares, com 95% de absolvições. Especialista em sessões do Tribunal do Júri, com mais de 10 sustentações orais e 100% de aproveitamento.
Atualmente, também é autor de artigos jurídicos no Blog da Reis Advocacia, onde compartilha conteúdos jurídicos atualizados na área de Direito Criminal, Militar e Processo Administrativo Disciplinar, com foco em auxiliar militares e servidores públicos na defesa de seus direitos.





