O que é perturbação de sossego?
Perturbação de sossego — também chamada de perturbação da tranquilidade ou do repouso — consiste em comportamentos que perturbam o descanso, a paz ou o trabalho de outras pessoas, mediante ruídos, gritaria, som excessivo, barulhos noturnos, algazarras, animais, ou uso abusivo de instrumentos sonoros.
É um tema recorrente nas relações de vizinhança e no direito de convivência urbana. A perturbação de sossego é regulamentada pela Lei de Contravenções Penais — e é tratada também no direito civil e nas legislações municipais (leis do silêncio) — quando ultrapassa os limites toleráveis pela coletividade.
Do ponto de vista jurídico, distingue-se entre:
- Perturbação de sossego como contravenção penal: quando a conduta se enquadra no art. 42 da Lei de Contravenções Penais (Decreto‑Lei 3.688/41).
- Perturbação de sossego no direito civil / direito de vizinhança: quando o ato causa dano à convivência (art. 1.277 do Código Civil) e pode gerar obrigação de cessar, indenizar ou obrigação de fazer.
- Legislações municipais (leis do silêncio / normas de posturas): regulamentam horários e níveis de ruído toleráveis, complementando a lei nacional.
Para que haja perturbação de sossego reconhecida, não basta qualquer barulho: é preciso que esse som ou comportamento ultrapasse um limite razoável e cause incômodo significativo à coletividade ou vizinhança.
Perturbação de sossego é crime?
A perturbação de sossego não é tipificada como “crime” no sentido penal comum de crime de lei penal, mas sim como contravenção penal, nos termos do artigo 42 da Lei das Contravenções Penais (Decreto‑Lei 3.688/41).
O caput do artigo e seus incisos definem:
“Art. 42 – Perturbar alguém, o trabalho ou o sossego alheios:
I – com gritaria ou algazarra;
II – exercendo profissão incômoda ou ruidosa, em desacordo com as prescrições legais;
III – abusando de instrumentos sonoros ou sinais acústicos;
IV – provocando, ou não procurando impedir, barulho produzido por animal de que tem a guarda.
Pena: prisão simples, de quinze dias a três meses, ou multa.
Ou seja, quem perturba o sossego de maneira inadequada pode ser responsabilizado criminalmente pela contravenção penal.
Requisitos para configuração
Para que se configure a contravenção de perturbação de sossego, alguns requisitos são essenciais:
- Materialidade – deve haver prova de que o som, barulho ou comportamento efetivamente perturbou a paz ou o sossego.
- Autoria – demonstrar quem praticou a perturbação.
- Capacidade de atingir a coletividade / paz pública – não basta que apenas uma pessoa se sinta incomodada; é necessário que o ato tenha potencial de perturbar a coletividade ou a tranquilidade pública. Jurisprudência afirma que a contravenção “tem como vítima a coletividade”.
- Dolo – o agente precisa agir voluntariamente e com consciência de que perturba o sossego; não se exige dolo complexo, mas sim dolo genérico.
Limitações e observações
- A contravenção penal é de menor potencial ofensivo.
- Em muitos casos, o réu será condenado a pena leve ( prisão simples convertida em pena alternativa ou multa ).
- Nem toda reclamação de barulho será considerada contravenção: é necessário que o ruído ultrapasse limites toleráveis e que haja prova convincente de perturbação coletiva.
- Provas testemunhais, laudo pericial de decibéis e registros de ocorrência policial são instrumentos frequentemente utilizados.
- Em casos de imóveis vizinhos, as normas de vizinhança (Código Civil) reforçam que o proprietário não deve usar seu bem de modo prejudicial ao sossego alheio.
Portanto: sim, perturbação de sossego é tipificada como contravenção penal — o que implica que é punível, embora com sanções leves — e também pode gerar responsabilidade civil.
Como provar que estou sofrendo com perturbação de sossego?
A prova é decisiva nesses casos, uma vez que muitos barulhos e incômodos são contestados pelo acusado. Para demonstrar que há perturbação de sossego, é necessário reunir elementos concretos e consistentes. A seguir, estratégias práticas:
Registro documental e técnico
- Boletim de Ocorrência ou Termo Circunstanciado (TCO)
Vá até a delegacia ou órgão policial e formalize a reclamação, solicitando que conste data, horário, local e descrição do barulho ou incômodo.
Esse documento servirá como prova inicial. - Laudo pericial / medição de decibéis
Um técnico especializado pode medir o nível de ruído (dB) no local e demonstrar que o som ultrapassou limites toleráveis.
Esse laudo é extremamente relevante para embasar o pedido. - Gravações, vídeos e áudios
Régua de tempo, marcação de horário, evidência sonora clara, demonstração de intensidade.
Importante que não haja edição ou adulteração, para garantir validade. - Fotos, vídeos do local, mapa da vizinhança
Imagens que mostrem proximidades, fontes do barulho, local de origem, ambientes atingidos. - Testemunhas
Pessoas que possam confirmar que ouviram o barulho e foram incomodadas (vizinhos, transeuntes).
Seu depoimento pode reforçar a comprovação. - Registro de reclamações anteriores
Registros em livro de ocorrências do condomínio, portaria ou administração; reclamações feitas a autoridades públicas ou a síndicos etc. - Documentos administrativos municipais / leis do silêncio
Verifique legislação local sobre níveis de ruído e horários de silêncio no município — isso pode servir como parâmetro legal comparativo. - Exibição de comunicações prévias
Quando o reclamante notificou previamente o autor da perturbação (advertência formal, notificação extrajudicial), isso demonstra boa-fé e tentativa de solução antes da via judicial.
Organização das provas
- Agrupe tudo cronologicamente, com datas e horários bem definidos.
- Relação entre registro e ocorrência real: correlacione os eventos com as gravações ou medições.
- Demonstre o impacto efetivo: noites mal dormidas, prejuízo na saúde, problemas de concentração ou repouso.
- Solicite que o advogado apresente as provas em juízo, com fundamentação jurídica.
Quanto mais sólida a prova, maior a chance de o juiz reconhecer que há perturbação de sossego e impor sanções ou ordem de cessação.
O que fazer se a perturbação de sossego continuar?
Se a perturbação persistir mesmo após reclamações ou registros iniciais, é necessário atuar de forma mais incisiva juridicamente. Veja os caminhos possíveis:
- Reclamação formal ao autor
Antes de partir para medidas judiciais, é recomendável notificar formalmente o suposto perturbador (via carta, notificação extrajudicial ou de condomínio), solicitando que cesse a perturbação ou adote medidas de correção (ex: isolamento acústico, redução de volume). Isso cria um registro e mostra tentativa de solução amigável.
- Registrar nova ocorrência
Sempre que houver reincidência, registre novo boletim de ocorrência ou termo circunstanciado, informando datas, horários e que o problema persiste.
- Ação penal / denúncia
Diante da persistência, o Ministério Público ou você, por meio de advogado, pode encaminhar denúncia ou representação para que seja instaurada ação pela contravenção penal de perturbação do sossego (art. 42 da LCP).
- Ação civil – obrigação de fazer / indenização
No campo cível, pode-se ajuizar ação de obrigação de fazer (para cessar o ruído), ação de danos morais ou materiais, com base no direito de vizinhança (art. 1.277 do Código Civil).
Por exemplo, há decisões que obrigam o autor da perturbação a implantar isolamento acústico ou pagar indenização por perturbação do sossego.
- Pedido liminar / tutela de urgência
No processo civil ou ação de vizinhança, é possível requerer medida liminar de urgência para suspender imediatamente o som ou a ação perturbadora enquanto o processo tramita.
- Envolvimento de autoridades municipais
Se houver regulamentação municipal de ruído (leis do silêncio), pode-se acionar o órgão competente (fiscalização ambiental, vigilância sanitária, órgão de posturas municipais) para fiscalização e aplicação de multas administrativas.
- Executar ordem judicial
Se houver decisão judicial favorável, o autor deverá cumprir (ex: reduzir o volume, cessar o som). Caso não cumpra, cabe execução forçada ou multa cominatória (astreintes) para compelir o cumprimento.
- Recurso e acompanhamento do processo
Se houver indeferimento do pedido de liminar, recurso é cabível. O advogado deve acompanhar todas as fases processuais para garantir efetividade.
Se a perturbação de sossego persistir após tudo isso, o ideal é manter registros constantes, reforçar as provas e insistir nas vias judiciais e administrativas.
Exemplos de perturbação de sossego
Para ilustrar, veja alguns exemplos comuns:
- Som alto late da madrugada (música alta, festas) em edifícios ou residências.
- Gritos, algazarras ou brigas frequentes.
- Uso abusivo de amplificadores, caixas de som, aparelhagem de som automotivo.
- Profissões incômodas ou ruidosas em locais residenciais fora dos parâmetros legais (oficinas, serralherias).
- Barulho produzido por animais de estimação do vizinho (cães latindo de forma intensa e contínua).
- Máquinas, motocicletas, geradores em horários impróprios.
- Obras com ruído excessivo fora do horário permitido pelas leis municipais.
- Som em bares, festas ou eventos com barulho que invade unidades vizinhas além do permitido.
- Baterias de carnaval, carros de som ou propaganda sonora invasiva.
Cada um desses casos pode configurar perturbação de sossego, desde que comprovado o incômodo, intensidade e repetição.
De que forma um advogado atua nesses casos?
Quando um cliente procura diante de perturbação de sossego, o advogado especializado valoriza alguns passos estratégicos:
- Análise inicial do caso
- Ouvir o cliente, coletar datas, horários, testemunhas e evidências já reunidas.
- Verificar a legislação municipal (leis do silêncio) aplicável ao local.
- Avaliação da melhor via jurídica (contravenção penal, ação civil, medidas administrativas).
- Orientação e instrução de provas
- Indicar gravações, medições, laudos, fotos e testemunhas como elementos essenciais.
- Orientar o cliente a registrar ocorrências sempre que o problema se repetir.
- Notificação / notificação extrajudicial
- Elaborar notificação formal ao perturbador para cessar a conduta.
- Pedir medidas corretivas (ex: isolamento acústico) antes de ingressar judicialmente.
- Atuação criminal / penal
- Representar em ação de contravenção penal (art. 42 LCP).
- Acompanhar inquérito ou procedimento penal, se iniciado.
- Ação cível / ação de vizinhança
- Propor ação de obrigação de fazer (cessar som), além de pedido de indenização por danos morais e materiais.
- Requerer tutela de urgência para suspensão imediata da perturbação.
- Pleitear multa cominatória (astreintes) para forçar cumprimento.
- Produção de provas e perícias
- Requerer perícia acústica, exame técnico de decibéis, vistoria no local.
- Depoimentos e laudos técnicos.
- Contrapor defesas — por exemplo, contestar laudo do autor ou alegações defensivas.
- Sustentação judicial e recursos
- Sustentar oralmente ou por memoriais nos tribunais.
- Interpor apelações, agravos ou recursos adequados se decisões forem desfavoráveis.
- Fiscalização e execução
- Acompanhar o cumprimento da decisão.
- Solicitar medidas coercitivas contra quem descumprir (multa, execução forçada).
- Assessoria contínua ao cliente
- Manter o cliente informado, orientá-lo quanto à convivência, direitos e limites.
- Adaptar estratégia conforme nova perturbação, jurisprudência ou legislação local.
O advogado, portanto, atua como agente que une as provas, a estratégia legal e a coercibilidade judicial para efetivar o direito ao sossego de seu cliente.
Saiba seus direitos
Se você está sendo vítima de perturbação de sossego, estes são seus principais direitos:
- Direito de reclamar junto à autoridade policial (BO ou TCO).
- Direito de notificar extrajudicialmente o perturbador para cessar a conduta.
- Direito de exigir indenização por danos morais e materiais, se comprovado prejuízo.
- Direito de requerer tutela de urgência para cessação imediata da perturbação.
- Direito de propor ação civil ou de vizinhança com pedido de obrigação de fazer (ex: cessar som, isolamento).
- Direito de atuação penal por contravenção penal (art. 42 da LCP).
- Direito de exigir execução forçada e aplicação de multa cominatória se houver descumprimento judicial.
- Direito de ter as provas admitidas (laudo acústico, testemunhas, gravações).
- Direito de recurso contra decisões judiciais desfavoráveis.
- Direito de que a legislação municipal de ruído (lei do silêncio) seja observada e aplicada como parâmetro comparativo
Perguntas frequentes sobre o tema
- Perturbação de sossego é crime?
Não, tecnicamente é contravenção penal (art. 42 da Lei de Contravenções Penais), com penas de prisão simples ou multa. - Como posso provar que estou sofrendo perturbação de sossego?
Boletim de ocorrência, gravações, laudo pericial, fotos, depoimentos de testemunhas e registros de reclamações. - Uma única pessoa incomodada basta para configurar perturbação de sossego?
Em regra, a contravenção exige que a perturbação atinja a coletividade ou a paz pública. Decisões reforçam que a vítima da contravenção é a coletividade. - Quais são os incisos do art. 42 da LCP que preveem perturbação de sossego?
I – gritaria ou algazarra; II – profissão ruidosa em desacordo com normas; III – abuso de instrumentos sonoros; IV – barulho gerado por animal sob guarda do agente. - Posso pedir indenização por perturbação de sossego?
Sim. Por meio da via cível, com base no direito de vizinhança (art. 1.277 do CC) ou outros fundamentos, se você comprovar dano moral ou material. - Posso pedir urgência para cessar o barulho enquanto o processo tramita?
Sim. Em ação cível pode-se requerer tutela de urgência (liminar) para suspender a perturbação antes da decisão final. - Se o autor for um bar ou estabelecimento comercial, ele pode ser condenado?
Sim. Há decisões que condenaram proprietários de bares por promover festas com som alto e perturbação de sossego para vizinhos. - Como funciona a lei do silêncio municipal?
Cada município estipula horários permitidos e níveis de decibéis toleráveis. Essas normas complementam a lei federal e podem servir como base para ação ou fiscalização local. - Caso o perturbador descumpra a ordem judicial, o que fazer?
Pode-se pedir execução forçada com multa cominatória (astreintes) e medidas coercitivas para forçar o cumprimento da decisão. - É possível que outro vizinho suporte o barulho e não reclame, mas eu sim?
Sim, mas para caracterizar perturbação de sossego é importante demonstrar que o ato perturba a coletividade ou ao menos a vizinhança de forma razoável. Reclamações coletivas ou múltiplas geralmente fortalecem o caso.
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Referências:
Perturbação do sossego com som alto é jurisprudência no TJPR
O TJPR já reconheceu casos de som excessivo em festas e estabelecimentos com imposição de multa cominatória.Mantida condenação de réus por perturbação de sossego – TJSP
Decisão paulista que sustenta que uso de caixa de som em zona residencial gerou perturbação não só à vítima isolada, mas à vizinhança.
Dr. Tiago O. Reis, OAB/PE 34.925, OAB/SP 532.058, OAB/RN 22.557
Advogado há mais de 12 anos e sócio-fundador da Reis Advocacia. Pós-graduado em Direito Constitucional (2013) e Direito Processual (2017), com MBA em Gestão Empresarial e Financeira (2022). Ex-servidor público, fez a escolha consciente de deixar a carreira estatal para se dedicar integralmente à advocacia.
Com ampla experiência prática jurídica, atuou diretamente em mais de 5.242 processos, consolidando expertise em diversas áreas do Direito e oferecendo soluções jurídicas eficazes e personalizadas.
Atualmente, também atua como Autor de Artigos e Editor-Chefe no Blog da Reis Advocacia, onde compartilha conteúdos jurídicos atualizados, orientações práticas e informações confiáveis para auxiliar quem busca justiça e segurança na defesa de seus direitos.




