Descontos Sem Contrato: Servidor Público Pode Ser Cobrado por Cartão Consignado?
Muitos servidores públicos e aposentados se deparam com descontos inesperados no contracheque, referentes a cartões de crédito consignado, sem que se lembrem de ter contratado ou sequer utilizado tal serviço. Essa situação é mais comum do que se imagina e levanta uma questão crucial: é legalmente possível que um desconto seja aplicado sem um contrato formal assinado? A resposta direta é não, mas a complexidade reside em como essa ausência de contrato é provada e o que pode ser feito.
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A exigência de contrato formal e o que diz a jurisprudência
A Lei nº 10.820/2003, que regulamenta o crédito consignado, estabelece que a autorização para os descontos em folha de pagamento deve ser expressa e inequívoca. Isso significa que a instituição financeira precisa comprovar que houve um acordo claro e consciente por parte do servidor ou aposentado para que o desconto fosse realizado.
A jurisprudência, ou seja, as decisões dos tribunais brasileiros, tem sido bastante rigorosa quanto à necessidade de um contrato válido. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) e diversos tribunais estaduais têm entendimento consolidado de que a ausência de um contrato assinado ou a comprovação de sua validade (em casos de contratos digitais ou por telefone) invalida a cobrança. Além disso, a simples existência do desconto no contracheque não presume a contratação regular. O ônus da prova de que o contrato é legítimo e que foi assinado pelo consumidor é sempre da instituição financeira.
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Contrato verbal, digital ou por telefone: são válidos?
Apesar de o contrato físico ser a forma mais tradicional, o avanço tecnológico permitiu outras modalidades de contratação. No entanto, para que um contrato verbal, digital ou por telefone seja considerado válido, ele precisa atender a critérios rigorosos:
- Contrato verbal: É a forma menos segura e mais difícil de provar. Em geral, não é aceito para crédito consignado, que exige formalidade.
- Contrato digital: Pode ser válido se houver mecanismos de segurança que comprovem a identidade do contratante e sua aceitação dos termos, como assinatura eletrônica com certificação digital ou biometria. A simples “aceitação” em um aplicativo sem provas robustas de quem a fez pode ser contestada.
- Contrato por telefone: Para ser válido, a conversa precisa ser gravada e a gravação deve ser disponibilizada ao consumidor. É fundamental que a gravação contenha todas as informações claras sobre o cartão (juros, taxas, funcionamento da fatura) e a autorização expressa para o desconto. Muitas vezes, bancos oferecem um “saque” que é, na verdade, um adiantamento de limite de cartão consignado, sem deixar isso claro, configurando indução a erro.
Ainda que existam essas modalidades, a jurisprudência exige que a instituição financeira prove o consentimento informado do consumidor, e não apenas a formalidade de um clique ou de uma gravação genérica.
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Como provar a ausência de vínculo contratual com o banco
Se você está sendo descontado por um cartão consignado que não reconhece, siga estes passos para reunir provas da ausência de vínculo:
- Análise do contracheque: Verifique a rubrica do desconto. Termos como “RMC”, “Cartão Consignado”, “Reserva de Margem” ou códigos não identificados são fortes indícios.
- Solicitação do contrato: Contate o banco por escrito (e-mail, carta com aviso de recebimento, protocolo de atendimento) e exija a cópia do contrato assinado para o cartão de crédito consignado. Peça também a gravação da(s) chamada(s) telefônica(s) de contratação, se aplicável. Guarde todos os protocolos.
- Extratos bancários: Verifique se houve algum crédito de valor na sua conta que corresponda a um saque de cartão de crédito.
- Ausência do cartão físico/uso: Se você nunca recebeu o cartão físico, nunca o desbloqueou ou nunca fez compras com ele, registre isso.
- Reclamações em órgãos de defesa: Registre sua reclamação no Consumidor.gov.br, no Procon e no Banco Central (BACEN). A formalização da reclamação nesses canais pode gerar provas de sua tentativa de resolução administrativa.
O foco é mostrar que o banco não tem como comprovar que você, de fato, solicitou e consentiu com os termos do cartão de crédito consignado que está gerando os descontos.
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Procedimentos para contestar judicialmente a cobrança
Caso as tentativas administrativas falhem ou o banco não apresente o contrato válido, o próximo passo é buscar a via judicial. Veja os procedimentos:
- Procure um advogado especializado: Um advogado com experiência em direito do consumidor e bancário é essencial. Ele analisará seus documentos, identificará as ilegalidades e orientará sobre a melhor estratégia.
- Reunião de documentos: O advogado precisará de seu contracheque, extratos bancários, protocolos de atendimento, cópias de reclamações em Procon/BACEN/Consumidor.gov.br e qualquer comunicação com o banco.
- Notificação extrajudicial: Em alguns casos, o advogado pode enviar uma notificação formal ao banco antes da ação judicial, dando uma última chance para a resolução amigável e para que o banco apresente o contrato.
- Ação judicial: Será ingressada uma ação judicial solicitando:
- O cancelamento imediato dos descontos no contracheque.
- A declaração de inexistência do débito e do contrato.
- O reembolso em dobro dos valores descontados indevidamente (conforme o artigo 42 do Código de Defesa do Consumidor).
- Indenização por danos morais, visto o transtorno, abalo financeiro e a perda de tempo útil do consumidor para tentar resolver a situação.
A ação judicial é o meio mais efetivo para forçar o banco a comprovar a regularidade da contratação ou a devolver os valores, além de buscar uma compensação pelos danos.
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Possibilidade de indenização por danos morais nesses casos
Sim, em muitos casos de descontos indevidos por cartão consignado sem contrato válido, é possível pleitear indenização por danos morais. Os tribunais têm reconhecido o direito à indenização quando há:
- Descontos não autorizados: A simples cobrança sem consentimento válido já configura um ato ilícito.
- Dívida “infinita”: A perpetuação da dívida devido aos juros rotativos do cartão, que impede a quitação, causa angústia e prejuízo financeiro.
- Desvio produtivo do consumidor: O tempo e o esforço que o consumidor precisa dedicar para resolver um problema criado pela instituição financeira (ligações, reclamações, busca por documentos) configuram um desvio produtivo que pode ser indenizável.
- Abalo financeiro e emocional: A surpresa com o desconto, a redução da renda e a incerteza quanto à solução do problema podem gerar grande estresse e abalo psicológico.
A indenização por danos morais visa compensar o sofrimento e os transtornos causados ao consumidor, além de servir como um desestímulo para que as instituições financeiras não repitam condutas abusivas. O valor da indenização é definido pelo juiz, considerando a gravidade do dano, a capacidade econômica das partes e o caráter pedagógico da medida.
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Referências:
- Lei nº 10.820/2003 (Lei do Consignado)
- Lei nº 8.078/1990 (Código de Defesa do Consumidor)
- Banco Central do Brasil (BACEN)
- Consumidor.gov.br
Dr. Tiago O. Reis, OAB/PE 34.925, OAB/SP 532.058, OAB/RN 22.557
Advogado especializado em ações que envolvem militares há mais de 12 anos, ex-2º Sargento da Polícia Militar e Diretor do Centro de Apoio aos Policiais e Bombeiros Militares de Pernambuco. Atuou em mais de 3039 processos em defesa da categoria, obtendo absolvições em PADs, processos de licenciamento e conselhos de disciplina.
Criou teses relevantes, como o Ação do Soldo Mínimo, Auxílio-transporte, Promoção Decenal da Guarda e Fluxo Constante de Promoção por Antiguidade.
Foi professor de legislação policial e sindicante em diversos processos administrativos. Pós-graduado em Direito Constitucional e Processual, com MBA em Gestão Empresarial, é referência na luta por melhores condições jurídicas e de trabalho aos militares.
Atualmente, também é autor de artigos e e Editor-Chefe no Blog da Reis Advocacia, onde compartilha conteúdos jurídicos atualizados na área de Direito Criminal, Militar e Processo Administrativo Disciplinar, com foco em auxiliar militares e servidores públicos na defesa de seus direitos.




