Desconto Indevido de Cartão Consignado: Como Identificar a Ilegalidade
A estabilidade financeira é um dos grandes atrativos da vida de servidor público ou aposentado. No entanto, muitos desses profissionais têm sido pegos de surpresa por descontos misteriosos em seus contracheques, frequentemente relacionados a um produto financeiro: o cartão de crédito consignado. Se você está se perguntando como um desconto que você não reconhece foi parar lá, você não está sozinho. Identificar a ilegalidade é o primeiro passo para proteger seu suado dinheiro.
Por que aparecem descontos de cartão sem aviso no contracheque?
A aparição de descontos de cartão consignado sem o seu consentimento ou clara compreensão pode ter várias origens. A mais comum é a venda casada ou a indução a erro. Bancos e financeiras, muitas vezes, oferecem um “empréstimo” que, na verdade, é um saque da margem de um cartão de crédito consignado. Você recebe o dinheiro, acredita que é um empréstimo comum, e os descontos começam a aparecer no seu contracheque como “RMC” (Reserva de Margem Consignável) ou “cartão consignado”, sem que você sequer tenha recebido o cartão físico ou compreendido as condições.
Outros motivos incluem:
- Marketing agressivo e enganoso: Onde as informações sobre o cartão são omitidas ou apresentadas de forma confusa.
- Aproveitamento da vulnerabilidade: Idosos e pessoas com menor conhecimento financeiro são alvos frequentes dessa prática.
- Fraudes: Em casos mais graves, a operação pode ter sido realizada sem qualquer consentimento, com documentos falsificados.
O resultado é sempre o mesmo: um desconto recorrente que, por ser um cartão de crédito, envolve juros rotativos muito altos, fazendo com que a dívida pareça nunca acabar.
O que é legal e o que é abusivo no desconto consignado
Para entender a ilegalidade, é fundamental diferenciar o que é uma consignação legítima de uma abusiva.
Uma consignação legal ocorre quando:
- Você, de forma clara e consciente, solicita e assina um contrato específico para um cartão de crédito consignado, compreendendo as taxas de juros, o funcionamento da fatura (que terá um valor mínimo descontado diretamente do contracheque) e a possibilidade de uso para compras ou saques.
- O cartão físico é entregue e desbloqueado por você, e você o utiliza.
- Todas as condições do cartão, incluindo os juros rotativos e a forma de amortização, são explicadas de maneira transparente antes da contratação.
Por outro lado, o desconto se torna abusivo ou ilegal quando:
- Há venda casada: O banco condiciona a liberação de um empréstimo consignado à aceitação de um cartão de crédito consignado, o que é proibido pelo Código de Defesa do Consumidor.
- Ocorre indução a erro: Você pensa que está contratando um empréstimo, mas na verdade está ativando um cartão de crédito com saque atrelado. Os termos do contrato são ambíguos ou não explicados adequadamente.
- Não houve autorização expressa: Você não assinou nenhum contrato de cartão de crédito consignado ou não autorizou o saque na margem consignável.
- Você não recebeu nem usou o cartão físico, mas os descontos aparecem no contracheque.
- A dívida parece ser “infinita”, com o saldo devedor quase não diminuindo apesar dos descontos mensais, característica dos juros rotativos do cartão de crédito.
Quais indícios apontam para fraude ou falta de autorização?
Fique atento a estes sinais que podem indicar uma irregularidade:
- Terminologia incomum no contracheque: Procure por “RMC” (Reserva de Margem Consignável), “Cartão Consignado”, “Saque Complementar Cartão”, “Consignação Cartão” ou códigos que você não reconhece na seção de descontos.
- Ausência de contrato ou contrato genérico: Você não tem uma cópia do contrato do cartão de crédito consignado, ou o que você tem é um termo que parece ser de empréstimo, sem as especificidades de um cartão.
- Valor liberado sem sua solicitação: Um valor foi depositado em sua conta, e você não sabe a origem ou acreditava ser outra modalidade de crédito.
- Dívida que não diminui: Mesmo com os descontos mensais, o valor total devido parece estagnar ou crescer devido aos juros altos, diferentemente de um empréstimo consignado comum, que tem parcelas fixas e saldo decrescente.
- Cartão nunca entregue ou desbloqueado: Você nunca recebeu o cartão físico ou, se recebeu, nunca o desbloqueou ou utilizou para compras ou saques.
- Atendimento bancário evasivo: Ao questionar o banco, as respostas são vagas, ou eles dificultam o acesso a informações e documentos.
Como consultar, comprovar e registrar a irregularidade
Se você suspeita de um desconto indevido, siga estes passos para reunir provas e formalizar sua reclamação:
- Acesse seu contracheque detalhado: Verifique as rubricas de desconto. Para servidores federais (SIAPE), consulte o Sigepe. Para estaduais e municipais, acesse o portal do servidor do seu órgão. Salve ou imprima todos os contracheques que mostrem o desconto.
- Solicite extratos da conta bancária: Obtenha os extratos que mostrem o crédito do valor supostamente emprestado e as datas em que isso ocorreu.
- Peça o contrato ao banco: Contate o banco e solicite uma cópia do contrato do cartão de crédito consignado e do termo de adesão, bem como a gravação das conversas telefônicas, se a contratação foi por telefone. Anote sempre os números de protocolo.
- Registre a reclamação em órgãos de defesa:
- Consumidor.gov.br: É uma plataforma online que permite registrar reclamações contra bancos. Eles são obrigados a responder.
- Procon: O órgão de defesa do consumidor do seu estado ou município pode mediar a situação e aplicar sanções.
- Banco Central do Brasil (BACEN): O BACEN fiscaliza as instituições financeiras. Registre uma reclamação formal em seu site, detalhando o ocorrido.
Quanto mais evidências você reunir, mais forte será seu caso.
Medidas imediatas para cancelar o desconto e pedir reembolso
Após identificar a irregularidade, é hora de agir para estancar o sangramento em seu contracheque e buscar o reembolso. Veja o que fazer:
- Contate o banco: Informe a instituição financeira sobre o desconto indevido, exigindo o cancelamento imediato e a suspensão dos descontos futuros. Peça a quitação da dívida e o reembolso dos valores já pagos. Mantenha os protocolos.
- Comunique seu órgão pagador (RH/DP): Informe o setor de Recursos Humanos ou Departamento de Pessoal sobre o desconto não autorizado e solicite que eles não repassem mais o valor ao banco. Em alguns casos, eles podem suspender o desconto mediante apresentação das suas provas.
- Procure um advogado especializado: Esta é a medida mais eficaz, especialmente se as tentativas administrativas não surtirem efeito. Um advogado especializado em direito bancário e do consumidor poderá:
- Analisar toda a documentação e identificar as ilegalidades.
- Notificar o banco formalmente para resolução amigável.
- Ingressar com uma ação judicial para solicitar:
- O cancelamento definitivo do contrato e dos descontos.
- O reembolso em dobro dos valores pagos indevidamente, conforme o Código de Defesa do Consumidor.
- Indenização por danos morais, devido ao transtorno, abalo financeiro e desvio produtivo causado pela situação.
Não hesite em buscar apoio jurídico. Um profissional saberá conduzir o processo de forma adequada, aumentando suas chances de sucesso na recuperação dos valores e na compensação pelos danos sofridos.
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Referências:
- Lei nº 10.820/2003 (Lei do Consignado)
- Lei nº 8.078/1990 (Código de Defesa do Consumidor)
- Banco Central do Brasil (BACEN)
- Consumidor.gov.br
Dr. Tiago O. Reis, OAB/PE 34.925, OAB/SP 532.058, OAB/RN 22.557
Advogado especializado em ações que envolvem militares há mais de 12 anos, ex-2º Sargento da Polícia Militar e Diretor do Centro de Apoio aos Policiais e Bombeiros Militares de Pernambuco. Atuou em mais de 3039 processos em defesa da categoria, obtendo absolvições em PADs, processos de licenciamento e conselhos de disciplina.
Criou teses relevantes, como o Ação do Soldo Mínimo, Auxílio-transporte, Promoção Decenal da Guarda e Fluxo Constante de Promoção por Antiguidade.
Foi professor de legislação policial e sindicante em diversos processos administrativos. Pós-graduado em Direito Constitucional e Processual, com MBA em Gestão Empresarial, é referência na luta por melhores condições jurídicas e de trabalho aos militares.
Atualmente, também é autor de artigos e e Editor-Chefe no Blog da Reis Advocacia, onde compartilha conteúdos jurídicos atualizados na área de Direito Criminal, Militar e Processo Administrativo Disciplinar, com foco em auxiliar militares e servidores públicos na defesa de seus direitos.




