Descontos Indevidos: Quando Você Pode Receber em Dobro do Banco ou INSS
Imagine a surpresa de ver um desconto no seu contracheque ou benefício que você não reconhece. Mais do que apenas reaver o valor pago, o Código de Defesa do Consumidor (CDC) e a jurisprudência brasileira preveem a possibilidade de o consumidor lesado receber o dobro do valor descontado indevidamente. Esse direito é uma importante ferramenta de proteção, especialmente para servidores públicos e aposentados, que são alvos frequentes de práticas abusivas. Entender quando e como acionar essa “devolução em dobro” é crucial para proteger sua renda.
O que diz o CDC e a jurisprudência sobre devolução em dobro
O direito à devolução em dobro está previsto no artigo 42, parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/1990), que diz:
“O consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável.”
Isso significa que, se você for cobrado por algo que não deve, ou por um valor maior do que o devido, a instituição que realizou a cobrança pode ser obrigada a devolver o dobro do que foi pago a mais, corrigido monetariamente e com juros.
A jurisprudência, ou seja, o entendimento dos tribunais, consolidou que para ter direito à devolução em dobro, é necessário comprovar dois pontos:
- A cobrança indevida: O desconto não deveria ter acontecido (por exemplo, ausência de contrato, dívida já paga, valor excedente).
- A ausência de “engano justificável” por parte do cobrador: Isso significa que a instituição agiu com má-fé, culpa grave ou negligência ao efetuar a cobrança. Não basta um erro simples; o erro precisa ser “injustificável”.
No contexto de bancos e financeiras, especialmente em casos de crédito consignado e cartão consignado, a jurisprudência tem sido cada vez mais rigorosa na interpretação do “engano justificável”, exigindo que as instituições comprovem que tomaram todas as precauções para não realizar a cobrança indevida.
Em quais casos o servidor ou aposentado tem esse direito?
Servidores públicos (federais, estaduais e municipais) e aposentados/pensionistas do INSS são frequentemente vítimas de descontos indevidos que podem gerar o direito à devolução em dobro. Os casos mais comuns incluem:
- Empréstimo consignado não solicitado: Quando um empréstimo é averbado e descontado sem que o beneficiário tenha assinado qualquer contrato ou autorizado a operação.
- Cartão de crédito consignado “mascarado”: Situações em que o consumidor pensa que contratou um empréstimo consignado, mas na verdade recebeu um cartão de crédito consignado com juros rotativos abusivos, sem ter clareza sobre o produto. Os descontos de “RMC” (Reserva de Margem Consignável) são um exemplo clássico.
- Manutenção de descontos após quitação: Quando a dívida de um empréstimo consignado já foi paga, mas o banco continua realizando os descontos.
- Valores cobrados a mais: Erros no cálculo da parcela, cobrança de seguros não solicitados ou taxas não previstas em contrato.
- Portabilidade não efetivada: O consumidor faz a portabilidade do seu empréstimo, mas o banco de origem continua realizando os descontos mesmo após o contrato ser migrado para outra instituição.
- Fraudes em geral: Qualquer desconto que seja resultado de fraude ou falha de segurança da instituição financeira que permitiu a cobrança indevida.
Nestes cenários, a má-fé ou a falha grave da instituição financeira é, na maioria das vezes, presumida, abrindo caminho para a devolução em dobro.
Como comprovar que o desconto foi indevido e sem má-fé sua
Para buscar a devolução em dobro, é fundamental reunir provas de que a cobrança foi indevida e que você não contribuiu para o erro (ou seja, não agiu de má-fé). Siga estas etapas:
- Contracheques/Extratos do INSS: Obtenha todos os documentos que comprovem os descontos. Para servidores públicos, acesse o portal do servidor (ex: Sigepe para federais). Para aposentados/pensionistas, use o “Meu INSS”.
- Extratos bancários: Comprove o depósito do valor inicial (se for um caso de empréstimo ou saque de cartão não solicitado) e a ocorrência dos descontos.
- Solicitação de contrato ao banco: Peça formalmente ao banco (por e-mail, carta com AR, ou em agência, sempre com protocolo) a cópia do contrato que originou o desconto. A ausência ou a apresentação de um contrato fraudulento já é uma forte prova.
- Gravações de chamadas: Se a suposta contratação foi por telefone, exija as gravações das conversas.
- Protocolos de reclamação: Guarde todos os protocolos de atendimento em que você tentou resolver o problema administrativamente com o banco ou em órgãos como Consumidor.gov.br, Procon e Banco Central (BACEN). Isso demonstra sua boa-fé em tentar solucionar o problema antes da via judicial.
- Comprovantes de quitação: Se o caso for de continuidade de desconto após a quitação, apresente o comprovante de pagamento integral.
A “má-fé” da instituição é, muitas vezes, deduzida da ausência de provas do contrato válido, da falta de informação clara ao consumidor ou da recusa em resolver o problema amigavelmente.
Exemplos de decisões que reconheceram o direito à devolução dobrada
Os tribunais brasileiros têm sido bastante ativos na proteção do consumidor contra descontos indevidos. Vejamos alguns exemplos de situações em que a devolução em dobro foi concedida:
- Cartão de crédito consignado não solicitado: Uma das situações mais comuns é quando o aposentado recebe um valor em sua conta e descobre, meses depois, que era um saque de um cartão de crédito consignado que ele não pediu, e que os descontos de RMC não amortizam a dívida. Nesses casos, a Justiça tem determinado o cancelamento do cartão, a devolução em dobro de todos os valores pagos e, frequentemente, indenização por danos morais.
- Empréstimo consignado fraudulento: Quando há provas de que a assinatura no contrato é falsa ou que o empréstimo foi realizado sem o consentimento do servidor/aposentado, o banco é obrigado a restituir os valores em dobro e pagar danos morais.
- Continuidade de descontos após a quitação: Se o consumidor comprova que quitou o empréstimo, mas os descontos continuaram, a devolução em dobro dos valores posteriores à quitação é padrão, além de possíveis danos morais.
É importante ressaltar que cada caso é único e a análise das provas é fundamental. Contar com um advogado especializado aumenta significativamente as chances de sucesso.
Como ingressar com ação e garantir a restituição
Para buscar a devolução em dobro, o caminho mais recomendado é a ação judicial. Siga estes passos:
- Procure um advogado especializado: Um profissional com experiência em direito do consumidor e bancário será capaz de analisar seu caso, reunir a documentação necessária e formular a petição inicial de forma adequada.
- Análise da documentação: O advogado vai examinar seus contracheques, extratos, protocolos de reclamação e qualquer comunicação com o banco para construir o caso.
- Ingresso da ação: A ação judicial será proposta contra a instituição financeira responsável pelo desconto indevido. Nela, o advogado solicitará:
- A declaração de inexistência do débito ou do contrato.
- A suspensão imediata dos descontos, muitas vezes por meio de uma liminar (decisão judicial provisória).
- A restituição em dobro de todos os valores cobrados indevidamente.
- A condenação da instituição ao pagamento de indenização por danos morais, pelos transtornos e prejuízos causados.
- Acompanhamento do processo: O advogado acompanhará todas as etapas do processo até a decisão final e a efetiva restituição dos valores.
Não deixe que descontos indevidos prejudiquem sua renda. O direito à devolução em dobro é uma poderosa ferramenta de defesa do consumidor, e buscar a justiça pode garantir não apenas a recuperação do seu dinheiro, mas também uma compensação pelos danos sofridos.
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Referências:
- Lei nº 10.820/2003 (Lei do Consignado)
- Lei nº 8.078/1990 (Código de Defesa do Consumidor)
- Banco Central do Brasil (BACEN)
- Consumidor.gov.br
Dr. Tiago O. Reis, OAB/PE 34.925, OAB/SP 532.058, OAB/RN 22.557
Advogado especializado em ações que envolvem militares há mais de 12 anos, ex-2º Sargento da Polícia Militar e Diretor do Centro de Apoio aos Policiais e Bombeiros Militares de Pernambuco. Atuou em mais de 3039 processos em defesa da categoria, obtendo absolvições em PADs, processos de licenciamento e conselhos de disciplina.
Criou teses relevantes, como o Ação do Soldo Mínimo, Auxílio-transporte, Promoção Decenal da Guarda e Fluxo Constante de Promoção por Antiguidade.
Foi professor de legislação policial e sindicante em diversos processos administrativos. Pós-graduado em Direito Constitucional e Processual, com MBA em Gestão Empresarial, é referência na luta por melhores condições jurídicas e de trabalho aos militares.
Atualmente, também é autor de artigos e e Editor-Chefe no Blog da Reis Advocacia, onde compartilha conteúdos jurídicos atualizados na área de Direito Criminal, Militar e Processo Administrativo Disciplinar, com foco em auxiliar militares e servidores públicos na defesa de seus direitos.




