Doutor Tiago Oliveira Reis
Advogado e Sócio Fundador
Publicado em: 23/05/2025
Abolitio Criminis da Usura Pecuniária: Reflexões sobre a Lei 14.905/2024
A revogação do artigo 4º da Lei da Usura pelo advento da Lei 14.905/2024 representa um marco importante na história do direito penal econômico brasileiro. A criminalização da cobrança de juros excessivos — a chamada usura pecuniária — foi suprimida, caracterizando a abolitio criminis de uma conduta penal que, embora raramente aplicada, ainda existia no ordenamento jurídico.
O que muda com a Lei 14.905/2024 e por que ela representa a abolitio criminis da usura pecuniária?
Com a entrada em vigor da Lei 14.905/2024, o crime de usura pecuniária foi formalmente revogado. Isso significa que a conduta de cobrar juros abusivos, quando não associada a outros delitos como extorsão ou estelionato, não pode mais ser penalmente punida. A revogação caracteriza abolitio criminis, instituto previsto no artigo 2º do Código Penal, que determina que a lei posterior que deixa de considerar crime uma determinada conduta retroage para beneficiar o réu.
O que é a usura pecuniária e como ela era tratada pelo ordenamento jurídico brasileiro antes da nova lei?
A usura pecuniária era definida como a cobrança de juros superiores ao permitido legalmente. Prevista na Lei de Usura (Decreto 22.626/1933), foi complementada por dispositivos penais que consideravam essa conduta criminosa, em especial em operações fora do sistema bancário. Apesar da previsão, sua aplicação prática era escassa, sendo muitas vezes ignorada em razão da liberalização do crédito e da desregulamentação do mercado financeiro.
Como funciona o instituto da abolitio criminis e quais são seus efeitos imediatos nos processos em curso?
A abolitio criminis tem efeito retroativo, imediato e amplo. Com ela, qualquer processo penal em curso deve ser extinto. Além disso, condenações já proferidas perdem seus efeitos penais. Isso inclui: anulação de registros de antecedentes, retirada de restrições associadas à condenação e extinção da punibilidade. Cabe aos advogados requererem formalmente a aplicação da nova lei em benefício de seus clientes.
Quais foram os principais argumentos políticos e jurídicos que sustentaram a revogação do crime de usura?
Do ponto de vista político, a revogação se justificou pela alegada obsolescência da tipificação. A cobrança de juros deixou de ser exclusivamente uma questão penal e passou a ser regulada por normas do sistema financeiro nacional. Juridicamente, os defensores da revogação apontaram que se tratava de um tipo penal vago, aberto a interpretações arbitrárias e inaplicável diante da realidade de juros praticados pelas instituições financeiras.
Quais crimes foram diretamente impactados pela Lei 14.905/2024 no contexto penal e econômico?
O principal impacto foi sobre o crime de usura pecuniária, mas há reflexos em crimes conexos, como extorsão mediante juros e prática de agiotagem. Em alguns casos, a revogação impede o prosseguimento de processos em que a acusação principal era a prática de usura. Também pode gerar reflexos indiretos sobre tipificações derivadas, quando a usura era usada como elemento de qualificação de outros delitos.
A revogação da criminalização da usura beneficia apenas os acusados ou também instituições financeiras?
O benefício é amplo. Embora as instituições financeiras estejam submetidas ao controle do Banco Central e de normas administrativas, havia casos em que cooperativas, agências informais e até financeiras autorizadas respondiam por crime de usura. A nova lei reduz o risco penal para todos os agentes do mercado de crédito, embora mantenha intacta a responsabilidade civil e administrativa.
Como ficam as condenações anteriores à entrada em vigor da nova lei? Elas podem ser anuladas?
Sim. Condenações por usura pecuniária podem ser anuladas, com base no princípio da retroatividade da lei penal mais benéfica. O artigo 5º, XL, da Constituição Federal garante esse direito. Mesmo sentenças já transitadas em julgado podem ser revistas, desde que seja comprovado que o único crime imputado foi a usura.
A nova legislação vai na contramão da proteção ao consumidor ou fortalece a liberdade contratual?
O tema é polêmico. Para parte da doutrina, a descriminalização da usura enfraquece os mecanismos de proteção ao consumidor, pois retira uma ferramenta de coerção contra práticas abusivas. Para outros, a medida reforça a autonomia privada e transfere o controle para a esfera civil e administrativa, onde há maior flexibilidade e capacidade técnica de regulação. O debate permanece aberto.
É possível solicitar revisão de processos penais em andamento com base na abolitio criminis?
Sim. O pedido deve ser feito pelo advogado do acusado, com base na nova lei. O ideal é apresentar petição ao juiz competente, demonstrando que a conduta atribuída ao réu não é mais considerada criminosa. Caso já haja condenação, é possível requerer revisão criminal ou ação declaratória de nulidade da sentença.
Quais são os procedimentos para pedir a extinção da punibilidade nos tribunais após a revogação da lei penal?
O procedimento varia conforme a fase do processo. Em inquérito, o arquivamento pode ser requerido diretamente ao Ministério Público. Em ação penal em curso, o advogado deve peticionar pela extinção da punibilidade com base no artigo 107, inciso III, do Código Penal. Se houver sentença condenatória, cabe revisão com base no artigo 621 do CPP.
Advogados criminalistas devem atuar com urgência em casos de usura? Quais estratégias são recomendadas?
Sim. A atuação rápida é fundamental para impedir que réus sejam indevidamente penalizados por uma conduta que já não é crime. A estratégia recomendada é a petição imediata ao juízo de origem, acompanhada de jurisprudência e cópia da Lei 14.905/2024, com requerimento de extinção do processo ou revisão da condenação.
Quais são os riscos de novas formas de exploração financeira surgirem após a descriminalização?
Um dos receios levantados por críticos da nova legislação é que a ausência de punição penal incentive práticas abusivas de concessão de crédito por agiotas, fintechs não reguladas ou cooperativas informais. Isso reforça a necessidade de fiscalização eficaz por órgãos como Banco Central, Procons e Ministério Público, além de fortalecimento das vias cíveis de proteção ao consumidor.
O Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça já se manifestaram sobre a aplicação da Lei 14.905/2024?
Até o momento, não há decisão colegiada do STF ou do STJ sobre a aplicação da nova lei, mas já existem decisões monocráticas determinando extinção da punibilidade em razão da abolitio criminis. É esperado que, em breve, os tribunais superiores consolidem esse entendimento, ratificando a retroatividade da lei penal mais benéfica.
A abolitio criminis pode abrir precedente para descriminalização de outros delitos econômicos?
Sim. O Congresso Nacional tem debatido a modernização do direito penal econômico, e a descriminalização da usura pode inspirar propostas para revisão de outros tipos penais considerados anacrônicos ou de baixa efetividade, como o cheque sem fundos e o descaminho em pequena monta.
Como a sociedade e o sistema jurídico devem lidar com o vácuo legislativo deixado pela revogação?
É necessário reforçar os mecanismos de controle civil e administrativo, além de campanhas educativas sobre crédito responsável. O legislador deve observar com atenção os efeitos sociais da medida e, se necessário, reavaliar os instrumentos de proteção ao consumidor contra abusos no mercado financeiro.
A revogação da criminalização da usura compromete o equilíbrio nas relações de crédito e consumo?
Isso depende de como será feita a compensação por outras vias. Se houver atuação firme do sistema civil e administrativo, o equilíbrio pode ser mantido. Caso contrário, há risco de aumento da exploração de populações vulneráveis, especialmente em áreas com menor acesso a crédito regulamentado.
Quais reflexões éticas e jurídicas a nova lei impõe ao sistema de justiça criminal brasileiro?
A Lei 14.905/2024 traz à tona o debate sobre os limites da intervenção penal no campo econômico. Impõe aos operadores do direito a reflexão sobre proporcionalidade, seletividade penal e o uso excessivo do sistema punitivo. É um convite para repensar o papel do direito penal na regulação das relações privadas.
Se você é advogado ou parte envolvida em processo sobre usura, a equipe da Reis Advocacia está pronta para atuar com urgência, garantindo seus direitos diante da nova legislação.
Dr. Tiago O. Reis, OAB/PE 34.925, OAB/SP 532.058, OAB/RN 22.557
Advogado há mais de 12 anos e sócio-fundador da Reis Advocacia. Pós-graduado em Direito Constitucional (2013) e Direito Processual (2017), com MBA em Gestão Empresarial e Financeira (2022). Ex-servidor público, fez a escolha consciente de deixar a carreira estatal para se dedicar integralmente à advocacia.
Com ampla experiência prática jurídica, atuou diretamente em mais de 5.242 processos, consolidando expertise em diversas áreas do Direito e oferecendo soluções jurídicas eficazes e personalizadas.
Atualmente, também atua como Autor de Artigos e Editor-Chefe no Blog da Reis Advocacia, onde compartilha conteúdos jurídicos atualizados, orientações práticas e informações confiáveis para auxiliar quem busca justiça e segurança na defesa de seus direitos.
bom dia, vc tem alguma decisao sobre a materia???
Olá Wanderson,
Sim, com a publicação da Lei 14.905/2024, a prática de usura deixou de ser considerada crime no Brasil. Isso significa que o artigo que tratava da usura pecuniária no Decreto-Lei 3.995/41 foi revogado, caracterizando o fenômeno jurídico da abolitio criminis. Na prática, processos em curso devem ser extintos e condenações anteriores podem ser revistas.
Caso você esteja envolvido em algum processo ou deseje analisar os impactos diretos da mudança legislativa, o ideal é procurar um advogado criminalista de confiança para uma avaliação detalhada do seu caso.
📞 Precisa de orientação jurídica? Fale com a Reis Advocacia:
🔗 https://advocaciareis.adv.br/entre-em-contato/
Se nossa resposta foi útil, avalie nosso atendimento:
🔗 https://g.page/r/CXf-sn-eCTusEAI/review